terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Por Adriano Narciso

A atribuição do prémio Nobel da Literatura gera sempre muita polémica e este ano não foi excepção. Herta Müller foi a escritora eleita como sucessora de Jean-Marie le Clézio, autor francês vencedor no ano passado. As maiores críticas à distinção desta autora (e de muitos outros) reiteram a ideia de que, na atribuição do prémio, mais importantes do que a qualidade literária e as características directamente ligadas ao estilo de escrita, terão sido as motivações políticas da escritora ao longo da sua carreira.

De facto, a obra de Müller é quase indissociável da sua vida privada. Nascida na aldeia romena de Nitzkydorf, na Transilvânia, a jovem, de família alemã, estudou alemão e literatura romena. Mais tarde aceitou o trabalho de tradutora mas acabou por ser demitida, em 1979, por se ter recusado a cooperar com a polícia política do regime de Nicolae Ceaucescu. Durante a década de 80 casou com o também escritor Richard Wagner e em 1987 o casal fugiu para a Alemanha, uma vez que a situação da escritora no seu país natal estava a tornar-se insustentável tendo em conta o teor contestatário das suas publicações, que atingiam sobretudo o regime totalitário, que acabaria por ser derrubado em 1989.

Uma análise às temáticas predominantes na sua bibliografia permitem-nos concordar com a ideia de uma autora cuja obra se liga à experiencia pessoal num regime totalitário. A Academia parece ter-se apoiado nesta premissa para fazer a sua escolha. Para o júri, Herta Müller é uma escritora que consegue «com a densidade da sua poesia e a franqueza da sua prosa, retratar o universo dos desapossados».

Eternos e prováveis candidatos

A acompanhar esta tendência para discordar da atribuição do galardão, existem casas de aposta para aqueles que acham ter um dedo que adivinha. Este ano as opiniões dividiam-se. Nos lugares cimeiros encontravam-se o israelita Amos Oz, os norte-americanos Philip Roth, Thomas Pynchon, Cormac McCarthy e Joyce Carol Oates e o italiano Claudio Magris. A lista continha até nomes de grandes figuras da música, como Bob Dylan. O de Herta Muller só entrou para esta lista, para espanto de muita gente, na véspera da atribuição do prémio.

Philip Roth é um dos eternos candidatos ao Nobel. Ao lado dele existe uma lista de outros autores ‘canonizáveis’ como o caso de Milan Kundera, Vargas Llosa e até Chinua Achebe. A escrita do autor de obras como «A Pastoral Americana», «Conspiração contra a América», «A Mancha Humana» ou «O Teatro de Sabbath» compara-se à de Saul Bellow (1915-2005), condecorado em 1976 pela academia sueca, e aborda o desejo sexual, monólogos pejados de referências à morte, loucura e à decadência moral da sociedade americana. O interesse suscitado no nosso país em relação a este autor não é novo. Roth é um dos escritores mais queridos dos leitores lusos. Indignação acabou de ser editado pela Dom Quixote e conta com uma boa receptividade. Entretanto a editora afirmou que está a ser preparada a publicação daquela que é considerada por muitos a tour de force do escritor, Portnoy’s Complaint.

Outro norte-americano cujo nome vem sendo repetido ano após ano como candidato ao prémio sueco é Thomas Pynchon, escritor conhecido por viver numa reclusão quase absoluta. As únicas fotos conhecidas remontam à sua juventude e não é conhecido o seu local de residência. Sabe-se que tem 72 anos e que recentemente emprestou a sua voz para o trailer do seu livro Inherent Vice (2009). De resto, o que se conhece de Pynchon é o que este nos dá a conhecer através da sua escrita que mistura influências pós-modernistas e humorísticas com um surrealismo impregnado de ficção científica e leituras alternativas de acontecimentos históricos. Romances como Gravity’s Rainbow reúnem centenas de personagens que obrigam o leitor a ter muita atenção e, acima de tudo, paciência. A natureza polímata do autor é também um factor de realce, dado o nível de detalhe que é prestado pelo mesmo nas descrições de uma situação que à primeira vista parece banal.

Cormac McCarthy era outra grande aposta para este ano. O autor de best-sellers como «A estrada» e «Este País não é para Velhos» (adaptado para cinema pelos irmãos Cohen) tem um discurso reminiscente do sulismo e do ‘fluxo de consciência’ preconizados por William Faulkner, laureado com o prémio sueco em 1949.

Herta Müller não está muito traduzida no nosso país. Só podemos contar com «O homem é um grande faisão sobre a terra», editado pela Cotovia, e «A terra das ameixas verdes», publicado pela Difel. Mas, tal como aconteceu com o laureado do ano passado, essa situação deve ser corrigida nos próximos meses, esperando-se certamente uma grande vaga de traduções.

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