sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Por Adriano Narciso

O Tigre Branco é o primeiro romance de Araving Adiga e valeu-lhe o Man Booker Prize no ano passado. Um caso atípico no historial deste galardão.

O Tigre Branco apresenta-se como uma imagem da Índia enquanto potência mundial, a Índia que tardamos em conhecer. A Índia em mudança e os efeitos que esta mudança potencia nas pessoas.

Adiga apresenta-nos o trajecto de vida de um indiano chamado Balram desde a sua infância passada numa família com poucos recursos até ao momento em que decide mudar a sua vida, trabalhando como motorista de uma família abastada.

O estilo epistemológico em que a narração decorre ajuda o autor a fazer uma divisão do romance em partes que se iriam perder se houvesse uma maior relação entre locutor/interlocutor. Durante sete noites o empresário indiano escreve sobre a Índia do século XXI em diversos parâmetros. Dá conselhos ao primeiro-ministro sobre o mundo empresário. Fala das diferenças entre castas e das diferenças entre a parte pobre da Índia – a Escuridão - e a parte da Índia onde existe aquele que se pode apelidar ‘sonho indiano’, a Luz, zonas onde se verifica uma grande ‘ocidentalização’ da sociedade, impregnada de vícios. Balram é um dos lesados pela Luz. Ao chegar à cidade começa a ganhar vícios que o tornam num homem sedento por dinheiro e poder e que o levam a matar para subir na vida.

O Tigre Branco consegue conciliar o arquétipo de romance moderno com o clássico. Ao lermos o episódio de Balram a vaguear por uma rua com prostitutas e quando visualizamos todo o processo (algo inconsciente) que termina no homicídio do seu patrão lembramo-nos facilmente de Raskolnikov em O crime e castigo de Dostoiévski. A estas tonalidades do romance psicológico russo juntam-se uma grande carga de ironia e humor negro presentes, por exemplo, em Dickens.

Esta é uma fábula sobre a permeabilidade da moral de uma pessoa à ambição descontrolada por uma vida melhor. A verdade é que o protagonista diz várias vezes que a única forma de sair deste ‘galinheiro’ é conseguir matar. «Deixem que os animais vivam como animais. Deixem que os seres humanos vivam como seres humanos. Toda a minha filosofia de vida está contida nesta frase». Assim, é difícil decidir se este homem é ou não um criminoso sangrento, um monstro. Para Balram há crime mas não há castigo, uma vez que o crime era o único caminho para a luz. Há uma ideia de isenção de culpa que atinge Balram e talvez seja por isso que ele consegue vingar na vida, tornar-se um Tigre Branco, um animal em vias de extinção que nasce ocasionalmente.

Nesta obra acabam os clichés acerca da Índia inocente e inundada de pessoas de uma subserviência elevada ao cubo. Depois de ler este livro torcemos o nariz ao já muito falado Shantaram e ao oscarizado Slumdog Millionaire. Afinal, a vida na Índia não é tão fácil como parece.

2012

Por Joana Perez

É recente, e já visto por muitos, o filme «2012» de Rolland Emmerich, autor de filmes como «O Dia da Independência», «O Dia Depois de Amanhã» ou «10.000 a.C.». Todos eles acerca de datas, de dias, de acontecimentos. Todos eles falando de uma possibilidade que não surge do nada, é sim estudada por alguém com cultura suficiente para conseguir descodificar muitas descobertas da História.

O «Livro do Apocalipse», um dos livros da Bíblia, é muitas vezes associado ao conceito do “Fim do Mundo”. A grande mensagem da obra é a “Revelação Divina” de coisas que até então permaneciam secretas a um profeta escolhido por Deus. A maior parte do livro é escrita em linguagem simbólica e, por isso, dá margem a diversas interpretações pelos diversos segmentos cristãos.

Segundo o calendário Maia, o término dos dias será a 21 de Dezembro de 2012. É deste ponto que Emmerich parte no seu filme. Outros filmes, como «Matrix» e «Knowing», também abordam este tema, de formas diferentes, mas sempre com um conceito em comum: o Homem. A máquina que o Homem inventou. O ser humano como o grande causador do fim do mundo.

O calendário Maia já terá previsto diversos acontecimentos, como a chegada do Homem branco à América. Esta última previsão, que pode ser interpretada, também, como uma grande mudança, criou uma especulação em relação a este dia. Segundo astrónomos que decidiram aprofundar o assunto, aconteceria um alinhamento da Terra com o Sol, o centro da galáxia e mais outros corpos celestes, e visto que o centro da galáxia é um buraco negro, neste dia final acabaríamos por ser engolidos.
Mas a verdade é que, do ponto de vista científico, a profecia Maia é apenas um mito. Aliás, o calendário era a forma que a civilização Maia usava para contar o que para nós serão os dias, os meses. A sua contagem era em «uinals» (20 dias), «tuns» (18 uinals ou 360 dias) e «katuns» (20 tuns ou 7200 dias). O calendário tem cerca de 5200 anos e termina em 13.0.0.0.0., que supostamente corresponderia a 21/12/2012, o último dia por eles considerado, o que, ainda assim, não prova, de forma clara, que a civilização identificasse este dia como o último, o fim do mundo.

Já em 2000 se dizia que o mundo iria acabar, que não conheceríamos o novo Milénio. Mais tarde, 6 de Junho de 2006 (6/6/6) seria o dia final…visto que marcava o “Número da Besta” (uma perspectiva religiosa).

O que é facto é que ainda cá estamos, a contribuir para o aquecimento global, o derretimento dos icebergues, a não tão lenta destruição dos nossos recursos. Foi descoberto, em meados do século XVIII, o risco da emissão de gases para a atmosfera, salientando o dióxido de carbono como um elemento que aquecia o globo terrestre. No início do século XX, já se falava no risco de aumento de temperatura, um impacto que tomaria proporções cada vez maiores. Estima-se que, neste momento, a temperatura aumente entre 1.4 e 6 graus centígrados todos os anos, em diversos locais do mundo.

Em 2006, Al Gore lança «Uma Verdade Inconveniente», alertando a população mundial para esta realidade. No ano seguinte ao lançamento do filme, foram lançadas mais de 106,000 toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera; o serviço nacional de meteorologia de Moscovo prevê que este ano Dezembro receberá o dia mais quente do mês de sempre no país. A temperatura média é de 4 graus negativos, mas esta semana chegará aos 10 positivos. Estas alterações estão a afectar o património natural do país. Os ursos do zoo de Moscovo, por exemplo, não conseguirão hibernar na altura certa devido à temperatura.

As tempestades aumentaram. Estão a ocorrer com mais frequência e muito mais intensidade. Mas a água nos solos acaba por evaporar mais rápido, tornando as zonas secas ainda mais secas. Todas estas alterações provocam o aparecimento de furacões e ventos bastante fortes, capazes de destruir cidades.

Nos últimos 100 anos, o nível da água do mar subiu 25cm. No próximo século deverá subir mais cem; com o encurtamento das praias resultante deste impacto, algumas ilhas do pacífico desaparecerão. O lençol de gelo da Gronelândia está a derreter a uma velocidade assustadora. Estudiosos estimam que, em 500 anos, desapareça completamente, e estamos a falar de uma das mais extensas coberturas de gelo do globo terrestre. E a própria Terra não fica beneficiada. Só esta porção contribui em cerca de 5km para a subida do nível da água, caminhando a cada segundo para um futuro submerso.

Talvez os profetas, ou apenas os homens sábios nos quisessem alertar para isso.
Por enquanto, ficamos com bons filmes, óptimos efeitos especiais… e perspectivas nas quais somos livres de acreditar ou não.

Fontes
http://www.greenpeace.org/
http://www.aip.org/history/climate/summary.htm
http://www.climatecrisis.net/
http://www.global-warming-statistics.org/climate-change-facts.html
http://cnews.canoe.ca/CNEWS/WeirdNews/2009/12/03/12022351-ap.html
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Por Adriano Narciso

A atribuição do prémio Nobel da Literatura gera sempre muita polémica e este ano não foi excepção. Herta Müller foi a escritora eleita como sucessora de Jean-Marie le Clézio, autor francês vencedor no ano passado. As maiores críticas à distinção desta autora (e de muitos outros) reiteram a ideia de que, na atribuição do prémio, mais importantes do que a qualidade literária e as características directamente ligadas ao estilo de escrita, terão sido as motivações políticas da escritora ao longo da sua carreira.

De facto, a obra de Müller é quase indissociável da sua vida privada. Nascida na aldeia romena de Nitzkydorf, na Transilvânia, a jovem, de família alemã, estudou alemão e literatura romena. Mais tarde aceitou o trabalho de tradutora mas acabou por ser demitida, em 1979, por se ter recusado a cooperar com a polícia política do regime de Nicolae Ceaucescu. Durante a década de 80 casou com o também escritor Richard Wagner e em 1987 o casal fugiu para a Alemanha, uma vez que a situação da escritora no seu país natal estava a tornar-se insustentável tendo em conta o teor contestatário das suas publicações, que atingiam sobretudo o regime totalitário, que acabaria por ser derrubado em 1989.

Uma análise às temáticas predominantes na sua bibliografia permitem-nos concordar com a ideia de uma autora cuja obra se liga à experiencia pessoal num regime totalitário. A Academia parece ter-se apoiado nesta premissa para fazer a sua escolha. Para o júri, Herta Müller é uma escritora que consegue «com a densidade da sua poesia e a franqueza da sua prosa, retratar o universo dos desapossados».

Eternos e prováveis candidatos

A acompanhar esta tendência para discordar da atribuição do galardão, existem casas de aposta para aqueles que acham ter um dedo que adivinha. Este ano as opiniões dividiam-se. Nos lugares cimeiros encontravam-se o israelita Amos Oz, os norte-americanos Philip Roth, Thomas Pynchon, Cormac McCarthy e Joyce Carol Oates e o italiano Claudio Magris. A lista continha até nomes de grandes figuras da música, como Bob Dylan. O de Herta Muller só entrou para esta lista, para espanto de muita gente, na véspera da atribuição do prémio.

Philip Roth é um dos eternos candidatos ao Nobel. Ao lado dele existe uma lista de outros autores ‘canonizáveis’ como o caso de Milan Kundera, Vargas Llosa e até Chinua Achebe. A escrita do autor de obras como «A Pastoral Americana», «Conspiração contra a América», «A Mancha Humana» ou «O Teatro de Sabbath» compara-se à de Saul Bellow (1915-2005), condecorado em 1976 pela academia sueca, e aborda o desejo sexual, monólogos pejados de referências à morte, loucura e à decadência moral da sociedade americana. O interesse suscitado no nosso país em relação a este autor não é novo. Roth é um dos escritores mais queridos dos leitores lusos. Indignação acabou de ser editado pela Dom Quixote e conta com uma boa receptividade. Entretanto a editora afirmou que está a ser preparada a publicação daquela que é considerada por muitos a tour de force do escritor, Portnoy’s Complaint.

Outro norte-americano cujo nome vem sendo repetido ano após ano como candidato ao prémio sueco é Thomas Pynchon, escritor conhecido por viver numa reclusão quase absoluta. As únicas fotos conhecidas remontam à sua juventude e não é conhecido o seu local de residência. Sabe-se que tem 72 anos e que recentemente emprestou a sua voz para o trailer do seu livro Inherent Vice (2009). De resto, o que se conhece de Pynchon é o que este nos dá a conhecer através da sua escrita que mistura influências pós-modernistas e humorísticas com um surrealismo impregnado de ficção científica e leituras alternativas de acontecimentos históricos. Romances como Gravity’s Rainbow reúnem centenas de personagens que obrigam o leitor a ter muita atenção e, acima de tudo, paciência. A natureza polímata do autor é também um factor de realce, dado o nível de detalhe que é prestado pelo mesmo nas descrições de uma situação que à primeira vista parece banal.

Cormac McCarthy era outra grande aposta para este ano. O autor de best-sellers como «A estrada» e «Este País não é para Velhos» (adaptado para cinema pelos irmãos Cohen) tem um discurso reminiscente do sulismo e do ‘fluxo de consciência’ preconizados por William Faulkner, laureado com o prémio sueco em 1949.

Herta Müller não está muito traduzida no nosso país. Só podemos contar com «O homem é um grande faisão sobre a terra», editado pela Cotovia, e «A terra das ameixas verdes», publicado pela Difel. Mas, tal como aconteceu com o laureado do ano passado, essa situação deve ser corrigida nos próximos meses, esperando-se certamente uma grande vaga de traduções.